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Ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior participa do projeto “Educação para Cidadania no Cárcere”

Em entrevista ao IDDD, Ministro comenta sobre a experiência e discute o impacto da atuação do STJ sobre a população carcerária

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No último dia 12 de maio, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Alves dos Reis Júnior ministrou uma aula no projeto “Educação para Cidadania no Cárcere”, curso que busca transmitir às pessoas privadas de liberdade noções sobre seus direitos e garantias fundamentais. Promovido há sete anos pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a edição atual do curso é desenvolvida no Centro de Detenção Provisória Pinheiros II, na capital paulista, sendo voltada para o atendimento das mulheres transexuais e travestis da unidade. Na aula, o Ministro debateu com 20 alunas do projeto o impacto do trabalho dos tribunais superiores sobre a população carcerária, principalmente, em relação àquelas mulheres.

Junto com Sebastião Alves, participaram do encontro o Juiz Corregedor dos Presídios da Capital Ulysses de Oliveira Gonçalves Junior, a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ivana David, o diretor geral do CDP Pinheiros II Guilherme Silveira Rodrigues e pelo diretor geral substituto da unidade Ernani Mangelo Izzo. Também acompanharam a atividade a Presidente do Conselho Deliberativo do IDDD Dora Cavalcanti, a Diretora responsável pelo projeto Daniella Meggiolaro, o associado coordenador do curso Bruno Salles Pereira Ribeiro, a coordenadora pedagógica Carolina de Freitas Santos e a assessora do projeto Bárbara Correia.

Em entrevista ao IDDD, o Ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior comentou sobre a sua experiência ao dar a aula no “Educação para Cidadania no Cárcere”, discutiu o impacto da atuação do STJ sobre a população carcerária e ainda falou sobre formas de os tribunais superiores contribuírem para a prevenção de episódios de violência em unidades prisionais, como os que ocorreram no início do ano. Confira:

DSCN8323Como foi para o senhor a experiência de participação no nosso projeto Educação para Cidadania no Cárcere?
Ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior: Emocionante! Fiquei com a impressão de que essas pessoas querem ser ouvidas para ter a oportunidade de falar o que está acontecendo, o que estão sentindo e as suas preocupações. Lá eu vi pessoas preocupadas com o futuro: com o que vão fazer depois que saírem do sistema e qual a perspectiva de vida que elas vão ter. Nós temos que pensar seriamente o que deve ser feito para que a ressocialização efetivamente deixe de ser uma palavra e passe a ser uma ação concreta. A prisão cabe punir, mas também ressocializar. Esse tipo de encontro nos permite pensar sobre isso, pois ao sair do gabinete e nos deparar com essa realidade, somos provocados a ter esse tipo de pensamento e a agir. Eu volto para casa com essa obrigação, de fazer alguma coisa para que isso torne realidade.

Como o senhor avalia o impacto da atuação dos tribunais superiores sobre a população carcerária?
SARJ: Muito aquém o que deveria ser. O Superior Tribunal de Justiça procura realizar o seu papel de uniformizar o entendimento das questões legais que afetam, em especial, nesse caso, a execução penal. Mas, por mais que nós tenhamos nos esforçados, não conseguimos tornar isso ainda uma realidade. Há uma mentalidade na Justiça brasileira de que o juiz deve ser independente e, por isso, ele aplica o Direito que entende que deve ser aplicado. Mais do que decidir, eu acho que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal devem fazer um trabalho de conscientização da magistratura como um todo, mostrando que é necessário que tenhamos uma voz só. Isso resulta nesse caos que nós vivemos hoje em dia, com um excesso louco de processos. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, temos 80 desembargadores nas Câmaras Criminais e, mesmo assim, não é possível dar vazão a quantidade de processos que chegam todos os dias. E a solução não é ter mais juízes, nem criar mais varas e tribunais, nem mais vagas para Desembargadores e Ministros. [O problema] é tornar a Justiça efetiva, que passa necessariamente pela Justiça uniforme.

E em relação à população transgênera, há algum cuidado especial?
SARJ: Eu não tenho números específicos para cuidar dessa situação do preso transgênero, até porque, a questão não é levada a debate no Superior Tribunal de Justiça – pode ser que existam processos que eu não tenho conhecimento, mas de forma geral não discutimos a situação – mas acho que deve ser pensada. Um dos benefícios desse encontro foi perceber que existe uma categoria de pessoas que merece um olhar diferenciado e não pode ser tratada como os presos em geral. Como essa, devem existir outras categorias. Talvez a própria lei de execução [penal] deva começar a se preocupar em prever um tratamento diferenciado para essas pessoas.

Como o senhor avalia que o Judiciário pode contribuir para evitar episódios de violência nos presídios, como aconteceram no início do ano em algumas unidades do país?
SARJ: Julgando com maior celeridade, prendendo menos e prendendo bem. Isso tudo passa pela atuação uniforme do Judiciário. Eu acho que é muito difícil para um preso compreender porque não lhe foi concedido um determinado benefício se seu colega de cela, em uma situação idêntica, teve esse benefício reconhecido. É o tipo de situação que cria uma tensão dentro de um presídio. Também precisamos prender menos, pois há um excesso de decisões que decretam a prisão em situações em que não é justificada. Além disso, a prisão é uma medida cautelar que pode ser revogada ao longo do processo e nós não temos essa cultura de reexaminá-lo para saber se aquelas circunstâncias que autorizaram a detenção em determinado momento ainda estão presentes.

E qual o papel especificamente dos tribunais superiores na prevenção da violência no cárcere?
SARJ: Uniformizar o entendimento rapidamente. O Tribunal não pode permanecer com situações de entendimentos divergentes, nem entre seus Ministros, nem dentro das Turmas por um longo período de tempo. Nós temos que ser mais ágeis, mais efetivos. Temos que ter a capacidade de detectar quais são aquelas matérias mais delicadas, as questões que podem repercutir diretamente na execução da pena e consequente no sistema carcerário. Mas é importante que o Tribunal se manifeste e fixe um entendimento único sobre as questões relacionadas a execução da pena.

Esta edição do “Educação para Cidadania no Cárcere” conta com o inestimável apoio financeiro do escritório Advocacia Mariz de Oliveira.