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“Ele achou que eu era um perigo para a sociedade”

IDDD lança relatório e documentário sobre os impactos da prisão de mães e gestantes

“Eu com a nenê de um ano e dez meses, [o juiz] não quis saber se eu tinha um lugar para deixar a minha filha, ele não quis saber como estava a minha situação. Ele mandou me prender e pronto. Por que ele achou que eu era um perigo para a sociedade.”

A história de Andressa Augusto Ruiz, hoje em prisão domiciliar, é corriqueira no sistema de Justiça: mulheres presas por crimes sem violência são arrancadas dos filhos sem que haja preocupação com o impacto que essa separação pode ter no desenvolvimento das crianças, sobretudo durante a primeira infância.

Entre as gestantes presas, a situação é ainda mais dramática: no estado de São Paulo, os bebês são entregues para familiares ao completarem seis meses. Se a família não é encontrada ou não se responsabiliza, a criança é levada para um abrigo.

A separação de mães e filhos contraria estudos científicos que comprovam a importância desse convívio nos primeiros anos de vida e viola o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância, sancionado em março de 2016.

O texto alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal para determinar a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar a todas as mulheres gestantes e com filhos menores de 12 anos ou com algum tipo de dependência. Em fevereiro de 2018, o Marco Legal fundamentou uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que garantiu habeas corpus coletivo a todas as mulheres presas preventivamente que se enquadravam nas hipóteses da lei e respondiam por crimes sem violência.

Apesar dos avanços normativos e do significativo número de famílias alcançadas pela decisão do STF, a Justiça ainda resiste em aplicar esse entendimento de maneira abrangente. É o que mostra o relatório “Mães livres: a maternidade invisível no sistema de Justiça”, que descreve inúmeros casos de violação da lei. O documento parte da análise de pedidos de habeas corpus formulados por associados e associadas do IDDD em benefício de mulheres presas na Penitenciária Feminina de Pirajuí, no interior de São Paulo.

Clique aqui para saber mais sobre o projeto Mães Livres.

O relatório será lançado publicamente no dia 13/11 em conjunto com um documentário sobre o tema. O filme, produzido pelo IDDD com o apoio da produtora Forward, conta histórias de maternidade dentro e fora do cárcere pelo olhar de cinco mulheres que tiveram suas vidas marcadas pela seletividade do sistema de Justiça criminal – entre elas, a de Andressa.

“Essa mulher não é uma ameaça à sociedade. A prisão é uma ameaça a essa mulher, mas ela não é uma ameaça à sociedade”, afirma Heloisa Bonfanti, voluntária do projeto Mães Livres, em trecho do filme.

Assista ao trailer:

Para a advogada Marina Dias, diretora-executiva do IDDD, as mulheres que se vêem às voltas com o sistema de Justiça sofrem uma dupla punição: além de perderem sua liberdade, ficam profundamente estigmatizadas por terem descumprido um papel social que a sociedade lhes impõe. E completa: “cada vez fica mais evidente que não faz qualquer sentido tirar essas mulheres do convívio com os filhos, até porque muitas são arrimo do lar. Prendê-las significa aprofundar a situação de vulnerabilidade dessas crianças, esfacelar ainda mais o tecido social e ameaçar as próximas gerações”.

O estudo nacional publicado recentemente pelo Instituto sobre as audiências de custódia demonstrou que, em 30% dos casos acompanhados, as mulheres não foram perguntadas se estavam grávidas. E entre aquelas que foram questionadas, 50% tiveram prisão preventiva decretada.

Segundo dados de junho de 2017 do Ministério da Justiça (os mais recentes disponíveis), 38 mil mulheres estão atrás das grades, número que cresceu 193% desde 2005. Mais de 40% ainda não foram condenadas e 64% respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas, um crime sem vítimas e sem violência. Entre os homens, a taxa é de 29%. Ainda, 63% das mulheres presas no país são negras e apenas 34% delas têm mais que o ensino fundamental completo.

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