Notícias

Reflexões da Liberdade: Projeto busca o fortalecimento do diálogo e empatia nas escolas, empresas e unidades prisionais

O projeto é uma iniciativa de Emerson Ferreira, psicólogo e egresso do sistema prisional.

Emerson Ferreira tem 29 anos, é psicólogo e articulador social. Em 2017 colaborou com a campanha “Encarceramento em Massa não é Justiça” idealizada pela Rede Justiça Criminal com a finalidade de sensibilizar a sociedade civil. Além disso, é integrante da Global Shapers, rede de jovens de diversos países que praticam ações de impacto social em suas comunidades. Hoje ele desenvolve o projeto “Reflexões da Liberdade” em escolas, empresas e unidades prisionais.

Emerson foi criado no Embu das Artes, no bairro Jardim Santa Luzia, um lugar marcado por um alto índice de violência e criminalidade. Desde cedo, trabalhou para complementar a renda familiar – vendendo verduras, soldando bijuterias e trabalhando como garçom -, até encontrar no tráfico uma possibilidade de conseguir uma renda extra. Aos 19 anos foi preso pela acusação de tráfico de drogas e associação ao crime.

Passou quase cinco anos na prisão e ao sair deu início ao curso de Psicologia. E ali sentiu a urgência de colocar em prática todo o aprendizado que estava tendo na graduação. O projeto “Reflexões” surge oficialmente no final de 2016. Desde 2012, ele já estava realizando palestras e debates que aconteciam esporadicamente em escolas. Consolidar o projeto tal qual é hoje veio da experiência de ter participado em um evento em São Paulo e ter sua moto roubada na ocasião. Foi ali que percebeu que suas ações estavam concentradas em São Paulo, mas nada havia sido feito em seu bairro.

As ações do projeto foram pensadas para serem replicadas nas escolas em Embu das Artes, nas empresas, prisões e espaços de cumprimento de medidas socioeducativas, a partir da percepção da necessidade do exercício do diálogo e empatia, especialmente nesses espaços que, a seu ver, predomina o distanciamento entre as pessoas. O projeto também tem um viés de prevenção ao crime quando realizado nas escolas.

A escolha desses três lugares se deu pelo olhar de que de alguma forma eles se complementariam, seja pelo acesso às oportunidades, pelo aprendizado sobre a vida e sobre a capacidade de se reerguer – na perspectiva dos atendidos nas unidades prisionais. E as ações envolvem palestras e facilitação de diálogo através de dinâmicas de entrosamento e círculos de conversa.

Veja o depoimento de Emerson Ferreira sobre o projeto: 

emerson ferreira

Início do Projeto

Nesses últimos 5, 6 anos eu fiz muitas discussões e trabalhos para ajudar as pessoas que saíam do sistema prisional a conseguir trabalho. E no final de 2017 eu já estava bem saturado, pensando que eu passaria a vida inteira ajudando as pessoas a se colocarem no mercado de trabalho, sendo que existe uma preparação, um trabalho de prevenção que pode ser feito para que essas pessoas não cheguem a ir para prisão. Então foi nesse momento que eu comecei a pensar dinâmicas específicas que poderiam ser replicadas tanto em empresas, escolas e prisões. Começando pela escola com várias atividades e dinâmicas de grupo, utilizando técnicas de Rapport (que buscam fortalecer a empatia) e exercitando a capacidade de se colocar no lugar do outro.

Dentro das empresas promovo palestras de empatia, conto a minha trajetória e realizo uma dinâmica. Na empresa, o maior esforço é a busca pelo diálogo. A busca pela facilitação do diálogo para que aconteça nas casas, com os filhos e até as escolas. O eixo principal é esse: empresa, prisão e escola, justamente por perceber que o ciclo se complementa.

O principal foco do projeto nas escolas é a prevenção. E dentro dessas atividades tem uma vertente específica que eu trabalho nas unidades prisionais.

Então eu percebo que tem uma série de dinâmicas; é como se eu tivesse fazendo um atendimento psicológico, não individual, mas em grupo. Como se eu tivesse exercendo a minha profissão em grupo. Atendimentos psicoterapêuticos, pode-se assim dizer, círculos de educação com pensamentos para a vida.

 Nas escolas

Eu não vejo mudanças nas escolas. A mudança na escola está em cada dia colocar mais grades. As escolas estão parecendo cada vez mais cadeias. Então eu não fujo do meu principal foco que é desenvolver esses jovens para que eles não vivam na prisão e não venham perder o tempo que eu perdi na prisão, pois não são todos que conseguem ali reverter a sua forma de ver a vida e continuar. E é muito difícil depois que você passa por lá.

Boa parte do projeto que nós idealizamos se passa nas escolas e nesse ano estamos consolidando o Reflexões da Liberdade. Algumas coisas eu propus com base na psicologia e na mediação de conflitos e outras foram extraídas dos ambientes escolares. Então, eu fiz um levantamento com os cadernos de ocorrência do ano de 2017 e vi que se tratavam de coisas absurdas, mas banais, questões que poderiam facilmente ser resolvidas se houvesse o diálogo. Para isso realizamos um conjunto de dinâmicas embasadas no conhecimento das emoções e sentimentos para que os jovens consigam ter uma maior consciência das áreas da vida para que possam fazer melhores escolhas e que os distanciem de um ciclo vicioso.

Além de escutar as temáticas dos alunos, como  bullying, segurança e cultura eu busco fazer uma ponte com o que é a nossa proposta, que é falar sobre os valores humanos. O que surge como consequência é a demanda dos jovens de irem além desse formato de escola, onde apenas um pode falar e os outros apenas escutam.

Eu falo nessas conversas  que o contexto influencia. E colocar esses jovens, apoiar esses jovens para que falem dessas dificuldades é o que mais nos interessa. No próximo ano desejamos colocar os próprios jovens como multiplicadores. Especificamente jovens do terceiro ano do Ensino Médio fazendo esse processo conosco e se tornando multiplicadores. Eu quero que eles recebam por isso e se desenvolvam cada vez mais.

Mudanças pelas vias do afeto e empatia

Eu vou para essas conversas de coração aberto, na busca de conectar essas pessoas para que elas realmente compreendam as influências dos contextos – principalmente nas empresas e escolas. Se elas tivessem o mesmo contexto que eu, talvez tivessem feito a mesma coisa. Ou também, se eu estivesse no contexto delas também teria agido igual.

 A todo momento eu falo sobre valores humanos, falo sobre sentimentos, sobre como a falta disso pode provocar alguma consequência maior e coloco essa consequência maior como uma prisão – seja ela qual for. Eu busco trazer informações que tenham significados com o público que eu vou falar. Então eu tenho comigo que cada espaço de fala é uma oportunidade e uma responsabilidade de levar essa história, essa causa. E compreendo que eu vivi essa história justamente por não ter nunca escutado na época da infância sobre valores humanos e sobre emoções. Eu entendia o “estou bem ou estou mal”, “estou bravo ou estou feliz”, “eu gosto ou não gosto”. Sempre essa dualidade. Sendo que não é somente sobre dualidade a vida. Tem uma amplitude maior que às vezes a rotina do dia a dia, seja na prisão ou em uma escola, acaba tirando a beleza dessa vastidão de outras situações que acabam sendo invisibilizadas por nós mesmos quando não estamos resolvidos com questões pessoais ou que envolvam outras pessoas.

Chega em um momento que você precisa romper com a superficialidade e consegue romper com essas pequenas barreiras para que acessem um lugar de mais força e significado na vida e é isso que estamos fazendo.

Fundação Casa

Na Fundação Casa é um trabalho mais diferenciado porque a percepção que eu tenho é que os jovens por estarem naquele lugar colocam a criminalidade como um troféu. Eles querem saber mais do crime e às vezes é um pouco difícil quebrar essa resistência, esse ciclo, mas essa resistência não se sustenta depois de dois ou três encontros. E por ter vivido essa história eu busco debater sobre o que é o crime.

Ali eu preciso falar o mesmo tom que eles, respeitando, mas também impondo para que eles não mudem o formato da proposta. Então é bem diferente da escola, muito diferente da prisão. Mas é interessante porque no final você percebe que vários jovens se aproximam, agradecem, reconhecem e se espelham. E é muito bom escutar as pessoas que trabalham na Fundação Casa ou unidade prisional sobre o que os jovens falam quando eu vou embora. Recentemente uma jovem, estudante de psicologia que trabalhou em semiaberto de Franco da Rocha, onde eu fiz uma atividade, contou que várias pessoas que participaram dessa atividade e foram ganhando liberdade mencionaram que queriam saber mais sobre o projeto e seguir o mesmo caminho. E isso é muito legal, pois mesmo depois de alguns dias, alguns meses, as pessoas ainda lembram e falam. O desejo de crescimento é justamente poder apoiar essas pessoas e fortalecer um desejo interior de melhorar suas vidas. Ali é um trabalho um pouco mais difícil, pois os jovens querem ter mais aproximação com a criminalidade, mas é também um trabalho gratificante.

Perspectivas

O desafio ainda é a estruturação para levar o projeto para mais escolas. Nesse ponto, ainda enfrentamos como uma dificuldade no sentido de ter mais apoiadores envolvidos que nos dê uma segurança e campo maior para trabalho.

Nesse ano, meu desejo é consolidar o “Reflexões” na escola do bairro e isso envolve uma estratégia de captação. E para o ano que vem desejo que possamos estar em cinco escolas, preparando os professores para que eles possam replicar as atividades no ano letivo, seja com uma atividade a cada 15 dias ou semanais.

Agora, esse momento é de aprofundar os detalhes para consolidarmos em 2018, seguros de poder levar para outras escolas em 2019 e realizando a capacitação junto aos professores. E desejo que em, no mínimo 10 anos, estejamos presentes nas 71 escolas de Embu das Artes. 

 Clique aqui e conheça mais sobre o projeto Reflexões da Liberdade.

Financiadores

ver todos +